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A trilha para a produção sustentável no vale do rio Doce

Waldir Pollack é um proprietário rural que desde 1987 produz verduras e legumes orgânicos em seu sítio, bem próximo a Paracatu de Baixo, distrito de Mariana fortemente atingido pelos rejeitos. Esse foi o segundo grande choque de sua vida. O primeiro foi o diagnóstico de câncer de mama de sua esposa, aos 25 anos. Segundo os médicos que a atenderam na época, ela havia sofrido contaminação, provavelmente por agrotóxicos e alimentos processados. Então morador de Belo Horizonte, Pollack decidiu se mudar com a esposa para o campo e produzir alimentos livres de produtos químicos. Mesmo assim, anos depois ela viria a falecer e seo Waldir decidiu continuar sua missão de produzir alimentos livres de agrotóxicos.

Em 2015 veio o desastre do rompimento da barragem de Fundão, que atingiu uma parte de sua propriedade às margens do rio Gualaxo do Norte. O que complicou ainda mais a situação é que as suas funcionárias também perderam suas casas e tiveram que abandonar a região. Resultado: Waldir Pollack não deu conta sozinho de trabalhar com a horta. “Ela foi atingida indiretamente, pois fiquei sem acesso e sem minhas funcionárias, aí tudo se perdeu” explica seo Waldir.

De lá pra cá, um trabalho árduo e minucioso com bastante ajuda técnica e aportes financeiros da Fundação Renova, as atividades produtivas foram retomadas, benfeitorias foram reconstruídas e a horta de seo Waldir recuperou parte de seu esplendor, apesar de ainda estar longe dos bons tempos. “Aqui eu tenho, pelo menos, 40 variedades de verduras, legumes e hortaliças. De qualquer maneira, não vai ser igual a antigamente, é uma nova vida. As pessoas vinham comprar aqui, hoje não vêm mais”.

Hoje os alimentos orgânicos de Waldir Pollack são todos comercializados em feiras livres de Mariana e região. – Crédito 4to studio

Além da recuperação da horta, na propriedade estão sendo construídos uma casa de mel, um galinheiro e um espaço para a criação de porcos. O que já está em plena atividade é uma área de Sistema Agroflorestal (SAF), uma espécie de floresta produtiva, que harmoniza o plantio de árvores frutíferas com espécies nativas de Mata Atlântica para recuperação florestal.

Para a Fundação Renova, o trabalho desenvolvido ali serve de modelo a ser replicado em outras 235 propriedades também afetadas pelo rompimento da barragem de Fundão. Por isso, seo Waldir é constantemente chamado para que seu conhecimento seja compartilhado com as demais famílias, ensinando como produzir alimentos livres de agrotóxicos.  “Todo esse processo de acompanhamento das hortas agroecológicas contribui para que as nossas matas e a nossa flora estejam em proteção contínua, pois é tudo um ciclo. Além disso, estamos sendo protagonistas dessa propagação de conhecimento sustentável”, conta o produtor.

A propriedade modelo serve de exemplo, mas tem se buscado trabalhar individualmente soluções para cada uma delas. Mesmo assim, o início das ações é comum a todas elas. “Primeiramente o trabalho desenvolvido nas propriedades rurais atingidas pelos rejeitos é o da revegetação e o segundo passo foi trabalhar na recuperação das Áreas de Preservação Permanente (APP)”, explica Gabriel Kruschewsky, especialista de programa socioambiental da Fundação Renova, que completa: “como essas etapas da recuperação são muito importantes, é fundamental contarmos com a participação dos produtores na recuperação das matas ciliares”.

Benfeitoria realizada como apoio a Fundação Renova – crédito: 4to studio

O trabalho ocorre nos municípios de Mariana, Barra Longa, Rio Doce, Ponte Nova e Santa Cruz do Escalvado, todas localizadas nos primeiros 100 quilômetros do trajeto da lama. A ideia é que as 235 propriedades diretamente impactadas pelo desastre tenham suas atividades produtivas restabelecidas e passem a ser mais sustentáveis. As propriedades estão sendo assessoradas para diversificação da produção como premissa, o que já é feito na área do seo Waldir Pollack a partir de Sistemas Agroflorestais. O objetivo é o de valorizar o espaço natural com a preservação ambiental produzindo com mais qualidade e até mesmo com menores custos, sem a necessidade da compra de agrotóxicos.

O plano de recuperação leva em conta as características de cada propriedade e sua vocação produtiva. Entre as soluções está sendo desenvolvido algo pouco utilizado na região: o manejo racional de pastagens. Ele envolve a melhoria da qualidade do alimento para o gado e a conservação do solo com a construção de  barraginhas para a captação da água das chuvas. Esses são benefícios importantes para ampliar os cuidados ambientais em uma região que historicamente trabalha com a cultura leiteira de modo tradicional e nem sempre sustentável.

Manejo racional de pastagens aumenta qualidade do alimento do gado e ajuda a conservar o solo. Crédito: Gustavo Baxter / NITRO.

Adequar e melhorar as estruturas rurais, inclusive com a instalação de sistemas para o tratamento do esgoto doméstico, também estão entre as ações desenvolvidas pela Renova. Além das 235 propriedades, outras localizadas entre os municípios de Rio Doce (MG) e Linhares (ES) serão atendidas pela Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) para trabalhar a recuperação de solos e implantar sistemas de irrigação.

No total, serão cerca de 2.600 hectares recuperados, o que representa uma área quatro vezes maior que os locais com depósito de rejeitos da barragem de Fundão. “Quando a lama atingiu áreas de preservação permanente, o proprietário perdeu área fértil. Ele utilizava esses locais devido à grande concentração de matéria orgânica. Dentro dessa realidade, entra a importância da retomada integrada da propriedade rural. O desafio é oferecer soluções produtivas para compensar as áreas de proteção que ele deixará de explorar”, afirma Lucas Scarascia, líder de programas socioambientais da Fundação Renova.

Visando integrar ações e buscando soluções conjuntas, a Fundação Renova conta com a participação efetiva de várias entidades, como empresas públicas e universidades.  Entre elas estão a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG), a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas de Gerais (Epamig) e a Universidade Federal de Viçosa (UFV).

Os critérios utilizados para monitorar as ações são os mesmos das políticas públicas. O ZAP, Zoneamento Ambiental Produtivo, por exemplo, contribui com uma base de dados e informações para o aprimoramento da gestão ambiental em bacias hidrográficas. Já os ISAs, que são os Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas são compostos por 21 indicadores, que englobam fertilidade do solo, gerenciamento de resíduos, diversificação da paisagem e vegetação nativa e são monitorados há cada dois anos. As notas para cada um dos indicadores variam de 0 a 1. Quanto maior o número, melhores são as condições da propriedade. Atualmente a média geral é de 0,48 e o objetivo é atingir 0,7 em 100% das propriedades.

Após tantos percalços e sofrimentos será muito bom que essas  famílias possam voltar a produzir como antes ou, ainda melhor, pois que seja de maneira mais sustentável. Afinal nunca se tornou tão óbvia a importância de que as atividades produtivas sejam capazes de conviver em harmonia com o meio ambiente.  (#Envolverde)

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